quinta-feira, 10 de maio de 2012

Hausto

Nada se desfaz meio às lembranças
Nossos tempos de criança,
Roupas brancas nos varais

Nada se desfaz calor e corpo
Em minha mente o mesmo rosto
Dos retratos matinais

Nada me destrai: mulheres, bandas,
os cachorros, festas, danças,
Nos livros, capas iguais

Nada me destrai: mentiras, fatos,
Se não posso ter teu tato
O que enfim me trará paz?

Eu só quero saber o que faço com o café
Que você fazia todo dia de manhã
Na memória,
como prendia o cabelo,
teu olhar em labaredos,
cheiro fresco de maçãs

Não há nada a se fazer
Meu corpo segue de pé
Então ponho um sorriso fosco em rosto
Na labuta, o mesmo gosto
De um cretino Nescafé
Acho que me acostumei a mentir. Não gosto que saibam o que se passa em mim. Mais ou menos no fim do ano passado, me impus a censura de não escrever: se eu perdesse o hábito de ser sincera até comigo, seria mais fácil mentir para os outros. De fato. Estou voltando a escrever agora, faz uns dois meses no máximo... Quando me sentia muito pesada, escrevia uma nota no celular. Mas isso tudo anda explodindo em mim. Tenho feito produções chulas, como se eu tivesse desaprendido as palavras e, por vezes, me pergunto se isso não aconteceu. Talvez eu não saiba mais ser sincera.
Tenho erguido um muro em volta de mim. Tudo tem me ferido. Até quem merecia saber, hoje não sabe.
Eu não sei o que se passa em mim.
Perdi contato com pessoas que eu permitia ter contato comigo. Ando distante de pessoas importantes. E são poucas as pessoas importantes pra mim. Nesse momento, eu quero chorar. Estou sufocada. Morrendo por dentro e nem sei como descrever isso. Eu não queria mentir pra mim. Eu só queria não ter que mentir.
Não é que eu seja fria, agressiva, mal educada, masculina, antipática ou egoísta, mas eu preciso aparentar. Se alguém não te conhece, pode até te julgar, mas é diferente de te apontar os reais motivos de você ser um erro. Eu tenho querido morrer. Às vezes mais do que antes. Para meus pais, esse é meu melhor período emocional desde o ano de 2010. Eles acham que fizeram tudo tão certo... Tenho medo de decepcioná-los. Por mais bobo que seja, eu não sei ser minha prioridade. É difícil. Dói. Machuca. Fere.
Até onde eu sou capaz de ir?
Saí com o guri na terça-feira. Ele acariciou o meu rosto como quem tem um grande estima por algo. Aquilo me incomodou. Por diversas vezes, eu tentei fastar meus rosto sutilmente, mas chegou um momento que eu empurrei sua mão e mandei ele para. Mandei sem nenhuma delicadeza, sem tom brando. Aquilo estava me irritando profundamente. Não estou acostumada com carinhos. Não estou acostumada com a necessidade de ter alguém por perto, pois eu não tenho. E tudo isso me angustia tanto...
Eu preciso erguer mais uma parede? Quanto isso me custará? O que fazer?
As pelavras fogem até do meu pensamento.
Algumas pessoas logo fecham seus olhos já calejados pela agonia de uma vida inteira
Todos tentam, em vida, fechar seus olhos
Mas temem tanto que esses se fechem espontaneamente
Qual o motivo?

A flor notou que o maior medo do homem é seu desejo.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

"Abriu o caderno depois de muitos anos. E viu que ainda havia uma velha flor amarela entre as páginas. Ele a tinha dado. As lágrimas brotaram como se chovesse e ela percebeu que nada tinha mudado ou ficado para trás. Releu coisas banais que não escrevia desde aqueles dias e noites de dor. A dor voltara. Deveria ela voltar a escrever?
O corpo estava lá, estirado num caixão, esperando as oito horas do dia dezenove de abril para que ninguém o visse mais. E ela estava lá - meu anjo -, sentada às bordas de uma banheira cheia, com uma extrema vontade de mergulhar e um medo eminente de ter a certeza de que aquilo não seria feito.
Largou o caderno.
Soltou a flor amarela por uma janela do edifícil e observou a planta fragilizada descer os grãos da cidade poluída até que tocasse o chão. Tudo aconteceu em bem menos tempo que ela esperava. Talvez, as oito horas viessem depressa. Ainda assim esperava não ver tanta frieza no olhar de todos, quanto no corpo dele e nos comentários dos hipócritas. Todos deveriam sentir mais.
Um carro do ano passado passou por cima da flor. Todos esmagam as coisas pequenas e frágeis. Muitos o fazem até sem perceber. Tudo aquilo soava tão sincero quanto absurdo. E ela queria acreditar que tudo não passava de um sonho.
Águas passavam. Águas salgadas e quentes deciam pelo seu rosto, enquanto empurrava um maxilar contra o outro em uma tentativa agônica de prender um grito. Deitou-se na banheira. As roupas molhadas eram as mesmas da tarde. Os pensamentos eram tão turvos... A calça soltava uma tinta que se propagava com tamanha fluidez, quanto a vida, aos poucos, parecia deixar seu corpo.
Puxou o ar. Era muito para a pouca vontade de que ele durasse.
Passos no corredor. Melissa. Esperava que não abrissem a porta.
Olhou para os dois lados como se fosse pecado crer em um Inferno. Mergulhou.
As águas cobriram seus olhos abertos e as mechas de seus cabelos escuros. Viu o azul da calça e o medo em si. Era tudo instigante, que a angustiava.
Pensou nele, na flor, nos outros (até em Melissa)...
E por último pensou em voz alta "Quem dera escrever um poema.". E, com isso, soltou as últimas partículas de ar."

Em "Quarta-Feira, 19", "A Terça Parte das Sete". Por Nina Guimarães.

Curso

Vai-se o vento entre as entranhas do ventre
Frio
E já em carne viva

Vai-se o tempo entre os dois lados da foice
Quente
Pintada em cor de vida

Vai-se o tempo em que o vento sentia
Foi-se
E do amargo ventre
Em um punho quente
Uma foice viva
Pinta os dois lados
Da cor dos lábios
Das entranhas frias
Das carnes da vida

Em Vão

A carne é dura
A alma é pura
A força é bruta
E o amor é a injúria
Vieram
Vem
Ou virão
A querer

Ausência

Falta ar
Falta vida
Falta noite
Falta dia

Falta fala
Falta luz
Quem se cala
Leva a cruz

Falta mar
Falta calma
Falta lar
Falta alma

Falta a Lua
Falta fria
Falta crua
Falta viva

Falta tudo
Falta nada
Falta mente
E emoção
Falta teto
Falta casa
Falta brisa
Falta fogo

Falta chão.